Entre as várias situações que vivemos na vida, há sempre aquelas que nos marcam. E podem fazê-lo pelas mais variadas razões: porque foram as primeiras, as mais engraçadas, as mais perigosas, enfim … um sem número de razões pelas quais, para nós, se tornaram inesquecíveis.
Há duas histórias, de entre tantas outras, que me marcaram. Uma pela felicidade causada e outra pela lição aprendida.
A primeira recua até ao ano de 1990! Ia eu com a minha primeira mota, Kawasaki EN500, a caminho do Algarve. O itinerário escolhido foi, e sempre que vou para Sul ainda é, descendo pelo maravilhoso Alentejo Litoral, desde Sines até Aljezur, passando por Porto Côvo e Vila Nova de Mil Fontes.
Era um dia de calor e, depois de Porto Côvo, vejo um casal novinho, de mochila às costas, na sua igualmente nova Yamaha DT50 LC, parados na berma. Parei e perguntei se precisavam de ajuda. Tinham ficado sem gasolina!
Como eu tinha atestado pouco antes pensei “vamos lá a isto e salvar a situação”. Ahhhhh, mas como? É que eu também era “maçarico” nestas andanças. De repente, vi a pouca distância um café e resolvi tentar a minha sorte. Entrei e perguntei:
“Boa tarde, tem imperial?”
“Sim, tenho. Quer uma?”
“Não, muito obrigado. Queria era ver se me podia ceder um pouco da mangueira da máquina.”
O homem ficou muito sério a olhar para mim, talvez pensando que estava a gozar com ele. Mas após eu ter explicado o sucedido e como queria ajudar aquele casalinho de namorados a seguir viagem, o simpático alentejano imediatamente foi buscar um bocado de mangueira igual e, com um sorriso disse-me:
“Atão vá lá desenrascar os moços”
Assim fiz e, depois de ter provado a gasolina ao puxar com a boca (o que dispensava), dei-lhes o suficiente para chegarem à bomba mais próxima. Queriam pagar a peso de ouro, mas a felicidade deles foi recompensa suficiente e lá seguimos todos viagem.
A segunda aconteceu uns anos mais tarde. Seguia eu numa estrada secundária, ao final do dia, e de repente a seguir a uma curva, deparo-me com um homem, de bicicleta, caído na estrada. Encostei mais à frente e rapidamente fui tentar tirá-lo do alcatrão, pois um carro muito facilmente o poderia atropelar.
Eh lá, assim que me dobrei para o ajudar a levantar, só com o “bafo”, quase ficava eu bêbado!
Assim, tive de o retirar em peso, pois ele nem se conseguia levantar e a seguir retirei a bicicleta para a berma. Estava eu a tentar evitar que ele pegasse novamente na bicicleta, pois iria cair mais à frente, quando reparo num homem que se aproximava a caminhar lentamente, de mãos nos bolsos e, quando chega perto diz:
“Então, lá deitou o homem ao chão, não foi?”
Naquela altura eu gelei. “WHAT?”
Apercebi-me do que ele sugeria, olhei em volta e vi que ele vinha de uma quinta onde estavam mais pessoas a olhar. Se todos eles jurassem que me tinham visto a bater no homem, eu não tinha como negar e me defender, a não ser com a minha palavra.
Peguei-lhe num braço e disse-lhe:
“Venha comigo e veja se a mota tem algum sinal de ter embatido na bicicleta. Você está maluco? Então o homem está completamente bêbado, estava caído na estrada, eu parei para o ajudar, e o senhor está a acusar-me de eu ter causado a queda?”
Eu estava tão fora de mim, que o homem pediu desculpa e disse que realmente estava errado, mas era o que parecia.
Foi uma lição para a vida, pois em situações destas, por vezes provar a verdade é muito difícil, por mais nobre que seja a motivação. De repente, poderia estar envolvido num problema grave.
Ainda assim, não consigo ficar indiferente a quem poderá precisar de apoio. Passei foi a tomar as devidas precauções para me proteger de possíveis más interpretações.
Boas curvas e sejam solidários