Em relação às duas rodas, a primeira questão que me vem à cabeça é ser:
Motociclista, Motard ou Motoqueiro ?
– A terceira opção (Motoqueiro) é normalmente usada em termos depreciativos, pois está conotada com uma postura e forma de estar de abuso e desrespeito em relação aos outros e a algumas regras de bem viver em sociedade. Não me parece, por isso, que se adeque à esmagadora maioria das pessoas que andam de mota.
– A segunda opção (Motard) é a mais usada, tanto na autodenominação de muitos utilizadores de mota, como de terceiros a se referir a estes. É um estrangeirismo que até parece dar um cariz de distinção a estas pessoas. A questão é que, fora de Portugal, se nos cruzarmos com outros indivíduos de mota, normalmente falamos em inglês e aí, diremos ser “Motorbikers” ou simplesmente “Bikers”. Bem, a tradução para português é Motociclista!
Huummm, então se em inglês usamos o termo, porque evitamos usá-lo quando falamos em português?
– A primeira opção (Motociclista) é usada com menos frequência, mas é aquela que eu faço questão de usar, e se alguém se refere a mim usando outro termo, geralmente corrigo cordialmente. Não o faço por uma questão de ser “picuinhas”, mas pela forma como eu entendo o que é andar de mota.
No meu caso particular, só comecei a andar de mota aos 24 anos de idade e por necessidade, para tentar minimizar as questões de trânsito. Mais peculiar ainda, eu dizia sempre que o pior automóvel era melhor que a melhor mota … A IGNORÂNCIA É ATREVIDA e este era o maior disparate que eu alguma vez poderia dizer!
Como em tudo o que é conduzido, a mota só faz o que o condutor a manda fazer, com as suas ordens através dos comandos dos pés e mãos!
Se quisermos fazer uma analogia com a informática, muitas vezes dizemos que o problema dos computadores está entre o teclado e as costas da cadeira. Na mota, o problema da forma como circula está sempre em cima do assento !
Uma das razões pelas quais eu me considero e denomino de Motociclista, é porque além de entender que para desfrutar, não preciso de extravasar a minha liberdade, interferindo na liberdade dos outros, respeito muito o veículo que tenho nas mãos. Se em última instância a minha vida pode depender das questões mecânicas, dependerá sempre e, na minha opinião mais ainda, da minha conduta a conduzir !
No trânsito citadino, há muito o hábito de circular por entre as filas de trânsito. Felizmente em algumas cidades portuguesas (Ex: Lisboa) as motas já podem circular nas faixas do BUS, minimizando assim o risco a ajudando no fluir do trânsito. Mas se assim não for, os motociclistas por vezes esquecem que nenhum automobilista tem obrigação de se desviar para a mota passar. Da minha experiência (34 anos de mota, com uma média de 20.000 Kms/ano), posso garantir-vos que, como conduzo motas grandes e volumosas (pois uso para o dia-a-dia e para viajar), se não consigo passar e paro entre os carros sem fazer qualquer comentário ou buzinar, regra geral, o condutor do automóvel, a seguir, tenta manobrar para me dar espaço para passar, ao que AGRADEÇO SEMPRE. O mesmo acontece quando vou a conduzir em “estrada aberta”, se um condutor de automóvel se encosta para facilitar a passagem, agradeço sempre, pois nada o obrigava a fazer aquilo, a não ser cordialidade.
Cientificamente, o ser humano é um animal de grupo. A questão está é nos fenómenos dos comportamentos de grupo. A tendência dos mais inseguros em tentar provar que são tão bons ou melhores que os outros (vá-se lá saber porquê), geralmente termina em atitudes completamente despropositadas ou de risco acrescido. Nos grupos de motociclistas, a gravidade de comportamentos de risco está não só na integridade física dos próprios, mas também nos outros condutores que nada têm que ver com eles.
Sinceramente, respeito quem assim pensa, mas sempre me custou entender quem anda de mota só porque adora a adrenalina!
Esses são os pilotos profissionais, que andam sempre no limite, o risco é inerente ao seu objetivo e profissão, que é fazer a volta à pista no menor intervalo de tempo, ultrapassar e ganhar uma corrida.
Quem não é piloto, tem os “Track Days” nos autódromos, em que com todas as condições de segurança e sem pôr em causa quem com eles se cruza, pode desfrutar do seu prazer de andar depressa, muito depressa, viver os momentos de adrenalina pura, e ainda assim , respeitar e ser respeitado.
Andar de mota é muito especial, não consigo expressar por palavras o sentimento e as emoções que sinto ao fazê-lo. Ainda mais, quando tenho o privilégio de o fazer com a minha mulher pois o prazer só é plenamente desfrutado, quando partilhado com alguém de que se gosta.
Sempre entendi que no dia-a-dia, de e para o trabalho, a mota não se fez para ir mais depressa, mas sim para ir andando, preferencialmente sem parar, nas filas de trânsito.
Nas viagens, temos a vantagem de nunca estar preocupados com o estacionamento, poder ter uma visão 360º de todos os locais por onde passamos, conjugando o sentido da visão com o do olfato, pois sentem-se os cheiros dos locais (bons ou maus), da audição, pois ouvem-se os ruídos, os animais … De mota, sentimo-nos a fazer parte do meio ambiente que estivermos a atravessar no momento. Este é outro facto que eu muito valorizo, pois, para acontecer, não podemos nem devemos interferir nesse mesmo meio ambiente. Refiro-me ao ruido e aos escapes alterados para poderem produzir os decibéis absurdos que nalguns casos acontece. Para quê? É assim que essas pessoas acham que se conseguem diferenciar? Pois tenho más notícias, é verdade que conseguem, mas no sentido errado. É que esses indivíduos ainda não perceberam que ninguém consegue viver ou sobreviver sozinho no mundo. Um dia poderão vir a precisar daquela pessoa que tanto incomodaram e desrespeitaram na sua ânsia de protagonismo absurdo, e se ela for “do mesmo calibre”, dispensa-o e diz-lhe que agora não pode!
Tenho muito orgulho em ser Motociclista e todos os dias que saio de mota, tento sempre honrar os valores que tanto defendo, quer seja cumprimentando sempre outro motociclista, como respeitando os outros veículos com que me cruzo, ou os peões que circulam.
Há quem defenda que ser Motociclista é uma religião, é um vício, é uma carolice, …. Pois eu concordo com todas estas teorias, no sentido abstrato das mesmas. Daí eu ter dito, mais acima neste texto, que não conseguia traduzir por palavras os sentimentos que andar de mota me despertam.
Quando estamos em família a ver fotografias, é fácil ver aquelas que foram tiradas numa viagem de mota. O estado de espírito, a alegria e a boa disposição são gritantes até em imagem! É disto que falo e que só quem experiencia entende. De forma nenhuma estou a ser elitista, mas regra geral quem não pertencia a este “mundo das duas rodas” e nele entra, então diz:
– Ahhhh, agora entendo o que dizias!
A juntar a todos estes sentimentos, há igualmente uma parte tão ou mais importante na experiência de um Motociclista, que são aquilo a que eu chamo, as “regras de ouro para segurança” que nunca devemos esquecer e que, …. “guess what”, podem igualmente fazer a diferença quando vamos no automóvel.
Já existem publicações que as abordam e explicam, por isso vou sou dar alguns exemplos mais usuais:
– Tentar antecipar o que o outro condutor vai fazer, quer seja pela posição do carro ou das rodas da frente, que normalmente antecipam a preparação de uma manobra, se vai a uma velocidade desadequada, normalmente exageradamente devagar vai estacionar, virar ou parar na via;
– No verão, desconfiar sempre de alcatrão molhado, pois pode ser água, mas também combustível ou óleo;
– Num cruzamento, não confiar cegamente num automóvel que circule à nossa frente com o pisca ligado para mudar de direção, pois pode ter sido esquecimento;
– No trânsito ter sempre a certeza que o automóvel que vamos ultrapassar nos viu, pois é fácil isso não acontecer, quer seja pelo ruído envolvente ou pelo simples caos…
Tendo em consideração os vários fatores e considerações que enumerei no que considero ser um Motociclista, sempre respeitando quem tem uma maneira de estar diferente, nós (eu e a minha mulher) optámos há muito tempo por ser viajantes solitários, mas sempre solidários com quem nos cruzamos e precisar de um qualquer tipo de apoio.
Há regras básicas, para mim, do que é andar de mota em grupo das quais não prescindo, mas que não tenho o direito de querer que os outros as sigam. Desse assunto, falarei noutro texto.
O Mundo é o limite!
Boas curvas e desfrutem