RECIRPOCIDADE GENUÍNA

Nós motociclistas, somos, por excelência, viajantes e pessoas que apreciam tudo o que os rodeia. Quantas vezes é referido que o sentir do vento na cara, distinguir os diferentes cheiros e todas as envolvências da natureza nos enche a alma e “recarrega-nos as baterias” para enfrentarmos tudo o que se nos depara no dia-a-dia? Percorremos estradas e estradões, paramos em cidades, vilas, aldeias, lugares ou simplesmente em locais invulgares. Conhecemos pessoas, diferentes hábitos e modos de vida e toda essa diversidade enriquece-nos enquanto motociclistas, mas acima de tudo, enquanto seres humanos. Mas este verão de 2025 trouxe-nos uma série de infelizes ocorrências, que deixaram de um cinzento e preto, quase de luto, uma grande parte da nossa riqueza paisagística, lugares dantes idílicos e sustento de tantas famílias. Esses mesmos locais com estradas por onde tantas vezes curvámos e nos deliciámos em cima das nossas motas, apreciando e desfrutando do que nos era oferecido. Fiquei muito feliz ao ver a iniciativa da FMP, na sua seção de Mototurismo, em que decidiu aquando do Portugal de Lés-a-Lés Off-Road 2025, incluir uma ação de reflorestação de vegetação autóctone, em dois locais muito afetados por este inferno de chamas, Chaves e Penamacor. Mas o reconhecimento, solidariedade e fundamentalmente o apoio moral a quem tudo perdeu, por parte daqueles que gostam de usufruir e desfrutar quando tudo está bem, são essenciais em situações de perda. O nosso país não é geograficamente muito grande, mas tem um Motoclube, Motogrupo ou Associação Motociclista quase em cada localidade, por vezes mais que um. Tenho visto grupos de agricultores, benfeitores anónimos, empresas da área da alimentação animal e não só, a transportar rações, feno e tudo o que um agricultor, pastor ou criador de gado poderá precisar para fazer face às dificuldades e ao desespero de ver os seus animais com fome. E nós, motociclistas associados? Será que é uma situação em que nós não poderíamos fazer nada? A imaginação é fértil, desde que haja vontade. Lembro-me por exemplo, porque não organizar pequenos passeios com uma estadia e alimentação em locais de alojamento local/rural afetados pelos fogos? Assim, para além do pequeno apoio financeiro que daí poderia advir, daríamos um ENORME apoio moral e mostraríamos a essas pessoas que os motociclistas, aqueles que se autointitulam como viajantes e apreciadores da natureza, nas alturas difíceis não se esquecem de quem os recebe nos bons momentos. Porque não, em vez de ser só os jogos tradicionais, o porco no espeto e uma cervejinha, não incluir actividades de replantação, reposição de sebes, jardinagem, até pastoreio …. Acredito que seria tão reconfortante para quem nos recebesse, como enriquecedor para quem talvez nunca tenha executado uma tarefa destas. Se nas suas áreas de influência os diferentes Motoclubes o fizessem, o país estaria com a sua área coberta de um manto de reconhecimento e reciprocidade genuínas, que ocultaria por momentos o cinzento e negro que cobre tão vastas áreas. Há muito tempo que não escrevo neste meu Blog, por diversas razões de entre as quais um certo desalento com a falta de iniciativa e interesse pelo bem comum, que parecem proliferar entre as pessoas e nas quais nós, os motociclistas, estamos incluídos. Poderíamos também aqui fazer a diferença, mostrando que os valores que nos norteiam na estrada, de solidariedade e entreajuda, também estão presentes em relação aos outros, especialmente numa situação de catástrofe e/ou calamidade. Já aqui escrevi sobre o transpor a nossa forma de estar para o dia-a-dia, mesmo sem a mota, e dessa forma influenciar positivamente a sociedade em que estamos inseridos. Há motociclistas de todos os cantos do país, de todas as proveniências e estratos sociais, de todas as profissões. Sabemos unir-nos quando se fala de inspeções às motas ou portagens! Porque não agora, por valores que em muito transcendem os nossos interesses particulares?

Boas curvas