FORA DA CAIXA

Pensar “fora da caixa” é uma expressão que reflete uma forma diferente de abordar um determinado assunto ou atribuir-lhe um cariz diferente daquele com que normalmente é conotado. Não quer com isto dizer que esta é a forma correta, mas tenta abrir mais os horizontes de discussão.

O assunto que me atormenta, pela forma como tem sido abordado, é a Inspeção Periódica para as motas. Os argumentos mais comuns são que vamos pagar mais um imposto, que isto não tinha nada que se aplicar às motas ou que não vai resolver a questão dos acidentes.

Pouco vejo este assunto ser abordado de uma forma construtiva, porque não tenhamos dúvidas de que as inspeções vão acontecer. A questão da customização das motas tem sido o grande potenciador do desacordo existente. Mas não é um assunto virgem, pois já existe nos automóveis com o Tuning, e há formas de resolver. Os automóveis, depois de alterados com peças homologadas, requerem uma inspeção para validar as alterações feitas.

Há, no entanto, na área das motas, uma diferença grande. É que muitas das peças e partes da mota que são alvo de customização, são feitas artesanalmente. Guarda-lamas, depósitos de gasolina, manetes, poisa pés, suportes de matrícula ou bancos, são bons exemplos. Não está em causa a qualidade do trabalho e dos materiais envolvidos, o problema poderá estar na homologação inexistente. Contudo, grande parte destas peças não são fator de avaliação.

Já a maioria dos elementos mecânicos ou de iluminação usados nestas alterações estão homologados, pelo que não deverão ser um problema numa eventual inspeção.

Em relação aos escapes, a história é outra. Mas com toda a honestidade, até porque já escrevi sobre isso, não sou defensor da alteração para obter mais decibéis.

Por vezes, a ânsia de mostrar o ruido produzido é tanta, que parece que junto com os novos escapes, as caixas de velocidades passaram a ter só a primeira e segunda velocidades…

As exceções em falta, referidas pelo Presidente da Federação de Motociclismo de Portugal, nomeadamente para as motas de enduro ou TT são uma falha enorme na legislação, assim como para as motas antigas. Mas para estas últimas, mais uma vez temos o exemplo dos automóveis com a classificação de veículos históricos que lhes confere algumas diferenças.

Mais grave no meu entender é estas inspeções serem só para motociclos a partir de 125 Cm3. A realidade do parque nacional e o rácio de acidentes em duas rodas é revelador, pois a percentagem de acidentes envolvendo veículos de duas rodas com cilindrada de/até 125Cm3 é muito superior às demais.

O serviço de estafetas e os condutores de automóveis que passaram a conduzir este tipo de veículos têm números assustadores de ocorrências, que deveriam fazer pensar os decisores. Não é ser “mais papista que o Papa”, mas dar alguma justiça à medida, refletindo a realidade nacional.

Desafio quem quer que seja a observar o estado de conservação e de segurança de muitos destes veículos e refletir porque é que o motociclista que gastou dinheiro a alterar a sua mota, na maioria das vezes com materiais de superior qualidade, irá ser penalizado, e estes veículos com falhas gravíssimas não são verificados.

Os números do parque motociclístico falam por si, e entre Janeiro e Setembro de 2023, foram matriculados 16.877 motociclos com cilindrada superior a 125 cm³. Quanto aos motociclos até 125 cm3, matriculados nos nove meses de 2023, foram contabilizadas pela ACAP 18.528 unidades.

Eu entendo que para ter direitos, tenho de honrar os meus deveres.

Circulo na estrada e devo garantir que não ponho em causa a minha segurança, nem a dos outros. Isso é um dever!

Já pensaram que no dia em que as inspeções estiverem em vigor, o argumento bacoco de que os acidentes ocorrem por causa do estado das motas, tende a acabar? E que nessa altura a realidade do estado das ruas e estradas, as juntas de dilatação em pontes e viadutos que molhadas parecem manteiga, o alcatrão líquido que utilizam nos remendos das estradas que com o calor derrete, as tintas utilizadas na sinalização horizontal e tantas outras armadilhas que conhecemos passarão a ter outra relevância na reivindicação da segurança rodoviária? Isso é um direito!

O segredo penso estar na equidade ao aplicar a Lei, e para lutarmos por isso temos de reconhecer os nossos deveres e exigir os nossos direitos. Ver só uma destas partes, desequilibra a balança.

Boas curvas, em segurança